Com a iminência do retorno às aulas presenciais, pesquisadores desenvolveram um modelo matemático que estima o aumento de casos da covid-19 na comunidade escolar com a reabertura das escolas, simulando cenários com diferentes protocolos de segurança. A ideia é que o retorno às aulas presenciais sempre vai trazer alguma elevação no número de casos entre as pessoas que frequentam a escola e seus contatos, mas que essa elevação pode ser muito grande, ou mínima, dependendo das medidas adotadas.
Por exemplo, esse risco pode ser 1.141% maior caso as máscaras sejam mal utilizadas. Se bem utilizadas, mas sem outras medidas, o aumento da chance de contágio é de 575%. Somado ao uso correto de máscaras pelos alunos, e se os professores utilizarem máscaras do tipo PFF2, o risco despenca para 40%, o que indica a importância do uso correto, de máscaras eficientes e o papel determinante dos professores na transmissão viral.
Os dados mostram que, à medida em que se sobrepõem medidas de segurança a essas, como monitoramento de casos suspeitos, turmas alternadas e redução da carga horária efetiva, o risco é reduzido e chega ao mínimo de 10%.
Os números são estimativas que tangenciam a realidade, fornecidas através de um software de modelo computacional. Tiago Pereira explica que o contágio pelo coronavírus passa por um evento probabilístico, como qualquer doença infecciosa por contato. Em computador, é levado em consideração esse fator de aleatoriedade, combinado a outros e, assim, simula-se a possibilidade de alguém se infectar em uma ida ao mercado, por exemplo.
O programa foi remodelado para incluir a dinâmica das escolas da região e, com os dados anteriores, foi possível calcular a quantidade de novos casos que excedem a média na cidade, com a retomada das aulas presenciais.
A infraestrutura das escolas, em sua maior parte, não privilegia arejamento e sim isolamento térmico, porque contam com equipamentos de ar-condicionado, contraindicados durante a pandemia. Por isso, a análise foi feita considerando ambientes fechados.
“Sabemos que o cenário pode melhorar muito com ventilação no ambiente, ao mesmo tempo em que pode piorar muito também com o uso de ar-condicionado nas salas”, comenta o pesquisador.
“Com pouco fluxo de ar, uma pessoa contaminada expele partículas de saliva com o vírus que ficam suspensas no ar e, logo, infectam um maior número de pessoas.” Nesse caso, o distanciamento físico, com demarcação de dois metros entre as carteiras, é pouco eficiente.
Vitor Mori, doutor em Engenharia Biomédica pela Escola Politécnica (Poli) da USP e pesquisador na Universidade de Vermont, explica que a metragem de distanciamento recomendada tem como base estudos que indicam maior queda de gotículas (de 1,5 a 2 metros), mas quanto mais perto de um emissor, maior a concentração de aerossóis suspensos no ar. “Em uma sala mal ventilada a transmissão pode ocorrer em distâncias muito maiores”, completa.
De acordo com Pereira, a realidade de má ventilação das salas de aula da cidade do estudo corresponde a quase 50% das cidades brasileiras, que têm em torno de 10 a 50 mil habitantes, com densidade demográfica de 1.500 habitantes por quilômetro quadrado (km2). Portanto, os dados podem ser extrapolados para o âmbito nacional.
“As máscaras PFF2 são construídas de forma anatômica, para se ajustar ao rosto e fornecer a eficiência de cerca de 94%, mas se estiver ‘folgada’, de modo que o ar não passe pela manta filtrante, perde sua capacidade de proteção”, afirma Vitor Mori.
Quando comparados os aumentos de casos com as variáveis das máscaras, a correta utilização promove uma redução de cerca de 400%: com máscaras mal utilizadas, aumenta-se o risco de contágio em até 1.141%; já usadas corretamente, o risco cai para 757%. Outro destaque está na utilização de PFF2 por parte dos professores e professoras.
No cenário de máscaras bem utilizadas e professores com PFF2, o risco de contaminação cai para 39%. “Ter um professor com uma máscara muito boa tem papel fundamental na contenção da pandemia”, afirma Tiago Pereira. Isso se deve ao fato de que os professores se expõem mais e por mais tempo nesses espaços e, por conta das aulas serem em sua maioria expositivas, falam mais e mais alto – o que dispersa as partículas contaminadas com mais amplitude e velocidade no ar. “É um impacto positivo por uma medida barata, quando se compara o valor de uma máscara ao de uma internação”, afirma o pesquisador.
Nesse modelo também foi possível simular um cenário onde a escola é o maior foco de contaminação, mas os alunos são assintomáticos, porque os casos acontecem nas famílias.
O protocolo de monitoramento epidemiológico desenvolvido pela equipe e implementado em Maragogi consiste em um conjunto de medidas que visa a identificar supostos infectados e isolar as turmas para evitar o avanço da contaminação. Se um aluno testa positivo para o coronavírus, por exemplo, a sala de aula da qual faz parte é suspensa por 14 dias; já se forem dois casos em salas distintas, a escola inteira é fechada por uma semana. As salas também podem ser suspensas se identificados casos nos familiares de membros da comunidade escolar.
Segundo Pereira, embora eficazes, os protocolos de monitoramento exigem bastante das escolas e também dos familiares para comunicar casos suspeitos. Nesse processo, é utilizado o rastreamento retrospectivo, que investiga os contatos anteriores de um aluno contaminado para identificá-los, por meio de testes rápidos, e isolar as fontes.
Para Vitor Mori, o trabalho mostra que existem medidas muito eficazes para diminuir o risco de infeção no retorno às aulas, mas não apenas uma – e sim a sobreposição delas. Mesmo com medidas rigorosas, o pesquisador alerta que o risco nunca será zero e sugere aulas em ambientes com maior ventilação, como em pátios e quadras esportivas, já que os estudos de rastreamento mostram que menos de 1% da transmissão ocorre ao ar livre.
Segundo o relatório, apenas 56% das capitais e 49% dos estados apresentaram planos estruturados e esses geraram preocupação quanto às medidas tomadas. Parte dos planos optaram por investir recursos na compra de termômetros e em utensílios de higienização de superfícies, em detrimento de máscaras de maior qualidade e testes rápidos. Apenas 2 entre as 26 capitais (8%) e 1 entre os 27 estados (4%) distribuíram máscaras do tipo PFF2 como parte do esforço de reabertura para o ensino presencial, como informa a análise.
A medida se mostra contraproducente, considerando os resultados obtidos no modelo matemático, visto que a predominância de contágio se dá por via aérea – o que pode ser combatido com o uso correto de máscaras com alta eficácia. Além disso, crianças e adolescentes apresentam uma alta porção de assintomáticos, o que faz dos testes em massa para detecção do covid-19 mais importantes para monitoramento e controle da contaminação, quando comparado à medição da temperatura corporal. Quanto à divisão de turmas para frequentarem a escola de forma alternada, somente 3 da 26 capitais (12%) e 12 entre os 27 estados (44%) optaram por essa medida de redução de ocupação dos espaços escolares, o que reduz a capacidade das escolas conterem a transmissão viral em possíveis surtos.
Acesse o relatório do estudo da Rede neste link.
(Jornal da USP, Guilherme Gama)
Fonte: Site CNTE
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