'Quem sabe a realidade da educação são os trabalhadores e trabalhadoras da educação e o MEC precisa nos ouvir', aponta presidente da CNTE
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Na área da educação, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem deixado a desejar em relação ao diálogo com os profissionais do ensino público. Até o momento, o ministro da Educação, Camilo Santana, ainda não ouviu a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), mas já recebeu representantes do ensino privado e superior.
Conforme apontamos ao longo da última semana, o país convive com uma disputa contínua de Organizações Não Governamentais (ONGs) por recursos públicos, o que afeta a visão sobre o modelo de ensino oferecido aos estudantes e às estudantes.
Em entrevista, o presidente da confederação, Heleno Araújo, fala sobre o reajuste do piso, a resistência de gestores em pagá-los e a importância de ouvir quem está na sala de aula para construir políticas públicas que atendam às necessidade da comunidade escolar.
Qual a avaliação da CNTE sobre o reajuste no Piso Nacional da Educação de 15% para os professores?
Heleno Araújo - Nós conquistamos a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional para o magistério público em 2008. A partir de janeiro de 2010 foi aplicado o piso e de lá para cá todos os anos se faz a atualização conforme o artigo 5º da Lei 11.738. Esse percentual de 2023 cumpre a regra de 2020 e cabe a cada estado e município cumprir a lei e atualizar o valor do piso para 40 horas para professoras e professores do ensino básico.
A aplicação do piso sempre acontece onde há organização sindical no município ou estado. Se não naturalmente, por compromisso, por obrigação importa pela justiça, porque não cumprir a lei pode gerar impedimento do mandato de governadores e prefeitos.
Orientamos sempre os sindicatos a buscarem a justiça nos casos em que os prefeitos, prefeitas, governadores e governadoras não cumprem com sua obrigação. Onde não há movimento sindical organizado, os trabalhadores e trabalhadoras veem esse compromisso passar. Mas há uma lei federal que, se for bem acompanhada, jurídica e politicamente, será cumprida.
A Lei do Piso é o suficiente para atender às necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras da educação?
Heleno Araújo - Ainda não atende, precisamos avançar mais. Temo o Plano Nacional de Educação, que dizia que até 2020, o salário médio do professor e da professora deveria ser equiparado ao de outras profissões da mesma formação. Mas segundo monitoramento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dessa meta 17 do plano, fechamos 2022 recebendo 69% da média salarial de outras categorias com a mesma formação. Continuamos com 31% de defasagem (https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/2019/07/01/internas_educacao,1066019/professores-recebem-menos-que-outros-profissionais-de-nivel-superior.shtml).
Além disso, a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) fez um levantamento com 40 países para avaliar o salário de professores e o Brasil ficou em último lugar.
Essas são provas concretas que nem mesmo a questão salarial está resolvida em nosso país para os trabalhadores e trabalhadoras da educação. Mas isso não basta. Garantir o trabalho do professor e da professora não depende só do salário, apesar de ser fundamental. Isso inclui também a formação inicial da nossa carreira, que precisa ser reparada, deve ser reestruturada. Políticas em formação continuada, para estimular quem está na carreira e quem está na juventude para aderir a esta profissão. Em conjunto com as condições adequadas de trabalho e estudo, sendo também aplicadas no ambiente da escola a gestão democrática, com participação social para elaboração das políticas educacionais e execução no dia a dia. São políticas pendentes que ainda mantém desmotivada a categoria para exercer de forma plena a condição de professores e professoras.
Temos, inclusive, no topo desse modelo, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), um canal de verificação de educação básica que além de incluir as notas das disciplinas, também traz as estruturas das escolas, desde material didático até situação socioeconômica dos estudantes e profissionais da educação.
Há leis, medidas estrutura, normas e orientação, o que falta é vontade política para aplicar e comprometimento.
Em 2016, o processo que levou à presidência o golpista Michel Temer (MDB), impediu que essas medidas fossem aplicadas com a aprovação da Emenda Constitucional 95, a chamada PEC dos gastos, limitando a aplicação dos recursos da educação.
Recursos existem, o que precisa é revogar essa medida e retomar as políticas indicadas no Plano Nacional de Educação.
Fóruns de educação em âmbitos nacional, estaduais e municipais são espaços de debate e construção de políticas educacionais e precisam ser implementados em cada município até chegar na União.
Para isso, precisamos de uma mobilização social para que o modelo de educação que já escolhemos para o país possa ser compreendido e possamos fazer a cobrança aos governantes para que implementem. Um processo de conscientização que faça o governante temer perder votos ao não aplicar o que determina a legislação.
Caso isso se refletisse no Congresso, deveríamos ter em torno de 130 parlamentares ligados à educação básica discutindo esse tema no parlamento e direcionando as políticas. No entanto, não temos nem cinco representantes que passaram pela educação básica e vivenciaram o que é dar aula em escola pública. Essa baixa representação faz com que os parlamentares lá presentes se convençam por políticas fáceis.
Não adianta nós dizermos que o piso precisa ser pago, se a CNM (Confederação Nacional de Municípios) disser que os prefeitos não têm dinheiro. A Lei do Piso, no artigo 4º, aponta que se provar que não tem recursos e for transparente, pode pedir complementação. Mas aí os prefeitos dizem que não é bem assim, que só pode pedir complementação dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Como se revolve isso? Dialogando. Sentamos todos e encontramos caminho. Quando há ausência de diálogo, não conseguimos avançar.
No momento, ainda estamos com dificuldade de diálogo com MEC, já faz mais de um mês que o ministro Camilo Santana assumiu, já conversou com organizações privadas, com outras entidades da organização superior e básica, mas não atendeu aos nossos pedidos de reunião. Isso dificulta até mesmo a apresentar a pauta para o ministro que foi governador, que pode conhecer muito bem o Ceará, mas não conhece o Brasil todo na área da educação. Precisa trabalhar com quem sabe, quem está no dia-a-dia da sala de aula, conosco que estamos na educação básica.
Fonte: CNTE
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