e a outra metade não
dorme, com medo da que não come”.
CASTRO, Josué de.
Geografia da fome.
A pandemia escancarou as consequências da crise do capital
sobre a vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Essa crise, política,
econômica, social e ambiental, não é provocada por nós, mas pelas empresas do
capital e por um estado empresarial, repressor. Mas somos nós que pagamos a
conta e sofremos as consequências.
Somos mais de 13 milhões de desempregados e cerca de 40
milhões de pessoas que vivem do trabalho informal ou trabalho precário. O
Brasil voltou para o Mapa da Fome, em decorrência de gestões que ignoram as
necessidades reais do povo e para garantir os lucros exorbitantes do capital
que não tem pátria e menos ainda senso de humanidade. As exportações dos
produtos brasileiros nada têm a ver com a solidariedade aos povos de outros
países, senão a ganância, mesmo que falte o que comer ao povo brasileiro.
Esse é o quadro que coloca os mais pobres de volta à fome e
também traz problemas para os setores médios, pois o preço dos alimentos tem
aumentado de forma assustadora, já que o agronegócio produz commodities, os
supermercados especulam com a fome e as empresas promovem o uso de comidas
artificiais que só deixam a população adoecida.
Em 2018 – dois anos pós o golpe ao governo Dilma Rousseff – o
Brasil já contabilizava 10,3 milhões de brasileiros e de brasileiras em
situação de pobreza ou de extrema pobreza (segundo dados do IBGE), e esta fome
não esta somente na cidade. Esses números já são infinitamente maiores e
imaginemos como estará o povo pobre no próximo período sujeito à alta no preço
dos alimentos.
A falta de controle de estoque de alimentos regulado pelo
Estado, a existência de um Plano Safra exclusivo para o agronegócio, bem como
os vetos às medidas de apoio e fortalecimento da Agricultura Familiar e
Camponesa, que é responsável em produzir comida de verdade, é o que tem piorado
a situação de fome no Brasil
A crueldade das empresas e indústrias de alimentos está
presente em todos os lugares, do campo, das águas, florestas e da cidade. Seja
na introdução dos agrotóxicos dentro do modelo produtivo, seja na forma como se
apresentam os alimentos ultraprocessados que não possuem capacidade de nutrir
dos corpos e mentes humanos. Descarta-se o lixo das indústrias na boca de
nossas crianças, e a classe trabalhadora tem sido a mais afetada nisso com menos
tempo para o preparo dos alimentos nos grandes centros urbanos.
Nesse quadro, as mulheres têm sido as mais atingidas, elas
são historicamente responsáveis pela alimentação das famílias e por isso têm
que lidar com o combate à fome, buscando formas de colocar comida na mesa,
lidando com a falta de emprego, pois foram as que mais perderam o emprego com
as crises e, ainda, enfrentam uma grave ampliação da violência. A juventude, em
especial a negra, segue morrendo nas periferias das cidades e sem oportunidades
de produzir nos seus territórios. Os povos e comunidades tradicionais têm seus
territórios atacados ainda mais, como forma do capital retomar suas taxas de
lucro.
A natureza também tem sido duramente ameaçada e com ela a
vida humana. Imagens de animais selvagens morrendo pelo fogo chocam o mundo
inteiro, nossas florestas estão sendo destruídas com a única função de manter a
acumulação capitalista materializada em sua forma atrasada no agronegócio
brasileiro. A resistência é necessária e deve se dar entre todos que acreditam
numa sociedade mais justa, onde todos possam comer e viver com dignidade.
Seguimos afirmando que a agricultura familiar e camponesa é o
alicerce para a soberania alimentar de uma nação. Por isso lutamos no campo e
na cidade pela defesa dos territórios indígenas, quilombolas, camponeses,
pesqueiros, dos Fundos e Fecho de Pasto, pela construção de políticas que
contemplem desde a produção ao consumo. Rechaçamos a expansão agrícola e
mineral que avança sobre áreas de produção de alimentos e sobre as florestas e
biomas.
PARA COMBATER A FOME NO BRASIL, NOS COMPROMETEMOS:
1. Seguir com todas as ações de solidariedade humana que têm
ajudado a salvar vidas, através da partilha do pouco que temos, amenizando a
situação de fome de muitas famílias, principalmente as crianças. Nossa
solidariedade é de classe, ativa e orgânica para que os povos se organizem a
mudar sua realidade de vida.
2. Lutar pela derrubada dos Vetos de Bolsonaro à Lei de Assis
de Carvalho, proposta no PL 735/2020 –como passo fundamental para ampliar a
produção de alimentos saudáveis pela Agricultura Familiar e camponesa e poder
disponibilizar esse alimento para quem mais precisa, garantindo renda aos
povos, especialmente as mulheres e a juventude.
3. Lutar pela retomada da construção dos estoques públicos de
alimento URGENTE, para que o Estado regule preços e não deixe faltar os itens
básicos para o povo do seu país a exemplo do feijão, do arroz, dentre outros.
Construir um sistema de abastecimento alimentar. Sabemos que os estoques
públicos que regulam os preços nas entressafras e nas situações de problemas
climáticos são decisivos para manter a alimentação do povo.
4- Enfrentar este governo que tem abertamente decretado a
fome para o país. FORA BOLSONARO! A liberação do Auxílio Emergencial, que até
agora fez a diferença na vida das pessoas, não foi por vontade do governo
federal que, na primeira oportunidade que teve, negou o apoio para os
agricultores/as seguirem produzindo alimentos (veto ao PL 735). Reafirmar o
direito ao pleno emprego e a uma renda digna é materializar o direito de se
alimentar bem, com segurança e soberania alimentar.
5 – Lutar para que todas as políticas públicas voltadas à
construção da soberania alimentar tenham a capacidade de atender as demandas
diferenciadas dos povos e comunidades tradicionais, da juventude e das
mulheres, como forma de garantir um desenvolvimento econômico, social e
ambiental baseado na agroecologia e na igualdade de condições para todos. É
necessário retomar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), fortalecer o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ampliar o acesso à água para
abastecimento humano e para a produção de alimentos com cisternas e expandir a
rede de restaurantes populares.
Nós, Movimentos Populares, Entidades e Sindicatos do campo e
da cidade vamos continuar lutando e alimentando a esperança. Defendemos um
Programa de Renda Básica Permanente, Programa de Produção de Alimentos
Saudáveis, a derrubada dos Vetos à Lei Assis Carvalho, Programas de Compra de
Alimentos com doação a quem precisa, Programa de Geração de Empregos,
Abastecimento de Água e Valorização do Salário Mínimo.
Por isso, no Dia Mundial em Defesa da Alimentação, temos a
responsabilidade de nos dirigir à sociedade brasileira para manifestar nossa
grande preocupação com a fome que se agrava em nosso país.
A produção de alimentos depende da preservação ambiental e da
biodiversidade dos biomas. Para manter as florestas em pé, precisamos dos povos
do campo, das águas e das florestas, VIVOS e em seus TERRITÓRIOS. Não é só
fogo, é capitalismo e destruição. Tirem as mãos das nossas riquezas! Soberania
nacional e popular já!! Fora Imperialismo!
Alimentar a esperança para alimentar as pessoas!
Brasil, 16 de outubro de 2020.
Via Campesina
Frente Povo Sem Medo
Frente Brasil Popular
Campo Unitário
Conferência Popular
Fórum das Centrais Sindicais
Renda Básica Que Queremos
(Via Campesina, 16/10/2020)
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