Estudo da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) revela outro
problema grave: cerca de 9,3 milhões de pessoas também ficariam sujeitas à
contaminação pelo novo coronavírus porque fazem parte de grupos de risco -
idosos e adultos com comorbidades - que convivem com as crianças, jovens e
profissionais da Educação.
De acordo com o estudo, ainda que escolas, colégios e universidades
adotem medidas de segurança e que elas sejam cumpridas à risca, o risco de
contágio é iminente. Além da possibilidade de aglomerações nos locais, o estudo
aponta que os transportes públicos e a falta de controle sobre o comportamento
dos jovens representam situações potenciais de contaminação. E se forem
contaminados, podem levar para casa o vírus e infectar os parentes, em especial
os de grupos de risco, mais vulneráveis à doença.
Diego Xavier, epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação
em Saúde (Icict), ligado à Fiocruz, estima que se apenas 10% dos 9,3 milhões de
adultos e idosos com fatores de risco, que vivem com crianças em idade escolar,
precisarem de cuidados intensivos, serão mais de 900 mil pessoas na fila das
Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
“Temos todo um conjunto de pessoas que compõem a comunidade
escolar, desde os transportes, os funcionários das escolas, os alunos, os pais
e cuidadores desses alunos, todos fazem parte da comunidade escolar e todos
estão sob risco”, ele explica.
O epidemiologista ressalta que a volta às aulas é um passo da
reabertura econômica que, teoricamente, coloca fim ao isolamento social
recomendado por autoridades de saúde e o resultado é o aumento de casos. “O
vírus se aproveita da grande circulação de pessoas para se disseminar e a
tendência é de que voltemos a ter aumento no número de casos”.
Para autoridades internacionais à volta ás aulas presenciais
só deveria ocorrer depois que todos fizessem testes para checar se alunos e
trabalhadores da educação contraíram Covid-19, e depois também que fosse feito
um rastreamento de contatos para isolar e tratar quem estiver infectado –
quanto maior o rastreamento, menor a necessidade de testagem.
Segundo Diego Xavier, a forma como a volta às aulas está
sendo ‘pensada’ não inclui esses protocolos mais aprofundados de prevenção e
combate ao novo coronavírus. “Não bastam protocolos dentro da escola porque tem
o caminho que a pessoa faz para chegar lá e isso não estão previsto”, afirma.
Assim como os estudiosos do mundo, o epidemiologista da
Fiocrcuz fala da importância da testagem em massas das crianças, em especial as
maiores de dez anos de idade que, de acordo com um estudo realizado na Coreia
do Sul, são transmissoras em potencial do vírus tanto quando adultos, ainda que
não apresentem nenhum sintoma e a doença não evolua nesse grupo.
Além desses fatores, a Fiocruz alerta também que há um
agravante. É a desmobilização de recursos e desmonte de unidades de saúde, como
hospitais de campanha, que são cruciais para o enfrentamento à pandemia,
principalmente se aumentarem os casos de contaminação.
“Se aplicarmos a taxa de letalidade brasileira nesse cenário,
estaremos falando de algo como 35 mil novos óbitos, somente entre esses grupos
de risco”, ele explica.
De acordo com o epidemiologista, essa população terá de
conviver com o vírus dentro da residência e, no caso de ter de recorrer ao
serviço de saúde, o acesso será mais difícil.
“O SUS não terá folga grande para atender novos casos. Se
colocarmos mais gente em circulação e o vírus voltar com força, não teremos
como entender esses pacientes”, ele diz.
Responsabilidade
De acordo com o estudo da Fiocruz, o recomendável seria que
estados e municípios oferecessem aos pais informações necessárias para que
cuidados passassem a ser adotados dentro de casa e que deveriam ser ampliadas
as atividades de vigilância epidemiológica dos grupos vulneráveis por meio de
testagens e acompanhamento clínico permanente.
“Para que a gente pense na volta às aulas, são necessários
planos específicos pra "identificar os casos muito mais cedo, isolar essas
pessoas, rastrear pessoas que tenham contato com ela, tudo para interromper a
cadeia de transmissão”, afirma Diego Xavier.
O argumento para a volta às aulas a qualquer custo é que as
crianças e adolescentes não podem perder o ano letivo. Governadores e prefeitos
desprezam os cuidados com a saúde e a vida por causa da pressão econômica dos
donos de escolas particulares que temem perder alunos e, consequentemente,
lucros. A pressão para que as aulas voltem nesse momento crítico, com mais de
mil óbitos por dia é uma atitude arriscada.
Desigualdade
Outro ponto abordado pelo epidemiologista, que coloca em
dúvida a volta às aulas é a desigualdade entre escolas públicas e particulares.
Ele afirma que não se pode pensar em medidas levando em consideração as
possibilidades e recursos de escolas particulares e aplicar esses protocolos em
escolas públicas que “historicamente tem menos estrutura que escolas
particulares”.
“Não vamos solucionar essa desigualdade em um curto prazo. As
escolas públicas serão ambientes de menor controle, consequentemente, mais
propícios para a disseminação do coronavírus”, explica Diego.
Resistência
Sindicatos em todo o
país, organizados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação
(CNTE), já anunciaram que, se necessário, farão greve para que as aulas não
retornem.
O presidente da CNTE, Heleno Araújo, afirmou ao Portal CUT que
“o importante é salvar vidas que não podem ser recuperadas depois”. Ao todo, a
CNTE tem em sua base mais de um milhão de trabalhadores no setor.
De acordo com pesquisa feita pelo Poder 360, 11 unidades da
federação já têm propostas para retomar as atividades nas escolas: Acre,
Alagoas, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Rio de
Janeiro, Rio Grande de Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.
No Rio de Janeiro, a Justiça suspendeu o decreto do prefeito
Marcelo Crivella (Republicanos) que autorizava o retorno às aulas para o 4°,
5°, 8° e 9° ano, na rede privada da capital.
A decisão do desembargador Peterson Barros Simão, do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro proíbe, também, a abertura de atividades
educacionais presenciais em creches e escolas privadas. A multa, em caso de
descumprimento, é R$ 10 mil por dia.
Em São Paulo, o estado com maior número de casos de Covid19,
o retorno é incerto. As metas para que a volta às aulas pudesse acontecer ainda
não foram atingidas. Os critérios do Comitê Estadual de Contingência do
Coronavírus estabelecem que todas as regiões administrativas do estado,
tivessem um mínimo de 28 dias seguidos na fase 3 – amarela de flexibilização da
quarentena. Atualmente, três regiões ainda estão na fase 1-vermelha, o que
frustra os planos de retorno no dia 8 de setembro, conforme planeja o
governador João Dória (PSDB). Na capital paulista, um inquérito sorológico
feito pela Secretaria Municipal de Saúde mostrou aumento de contágios em idosos
na capital.
A investigação aponta que 13,9% de todos os casos mapeados no
estudo foram registrados em pessoas mais velhas. O medo dos especialistas, em
concordância com os pesquisadores da Fiocruz é de que os estudantes tramitam a
doença para seus familiares.
Ainda na capital paulista, o Sindicato de Servidores Públicos
Municipais e entidades que representam trabalhadores da educação protestaram
nesta quarta-feira (5) contra o Projeto de Lei 542/2020, que estabelece
protocolos para a volta às aulas, a partir de 8 de setembro.
No Ceará, o governador Camilo Santana (PT), afirmou que deve
reabrir as escolas em setembro, apesar do parecer contrário do Conselho
Estadual de Educação (CEE). A orientação do CEE é que as atividades letivas
continuem por meio remoto, até 31 de dezembro de 2020.
Na Paraíba, professores e professoras participaram de uma
assembleia virtual realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação do
estado (Sinte-PB) e decidiram não retornas às aulas e que se o governo estadual
sugerir o retorno, a categoria fará greve por tempo indeterminado.
Fonte: https://www.cnte.org.br/
(com base na CUT
Brasil, texto de André Accarini e Marize Muniz)
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