Volta às aulas: pesquisas revelam medo de pais e risco para familiares

 

Enquanto governos discutem a volta às aulas sem plano efetivo de segurança para proteger crianças e jovens do novo coronavírus (Covid-19), 70% dos pais e mães que têm filhos entre o 6º e o 9º ano na rede pública acham que seria melhor que ficassem na mesma série em 2021, revela Datafolha.

 

Estudo da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) revela outro problema grave: cerca de 9,3 milhões de pessoas também ficariam sujeitas à contaminação pelo novo coronavírus porque fazem parte de grupos de risco - idosos e adultos com comorbidades - que convivem com as crianças, jovens e profissionais da Educação.

 

De acordo com o estudo, ainda que escolas, colégios e universidades adotem medidas de segurança e que elas sejam cumpridas à risca, o risco de contágio é iminente. Além da possibilidade de aglomerações nos locais, o estudo aponta que os transportes públicos e a falta de controle sobre o comportamento dos jovens representam situações potenciais de contaminação. E se forem contaminados, podem levar para casa o vírus e infectar os parentes, em especial os de grupos de risco, mais vulneráveis à doença.

 

Diego Xavier, epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), ligado à Fiocruz, estima que se apenas 10% dos 9,3 milhões de adultos e idosos com fatores de risco, que vivem com crianças em idade escolar, precisarem de cuidados intensivos, serão mais de 900 mil pessoas na fila das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

 

“Temos todo um conjunto de pessoas que compõem a comunidade escolar, desde os transportes, os funcionários das escolas, os alunos, os pais e cuidadores desses alunos, todos fazem parte da comunidade escolar e todos estão sob risco”, ele explica.

 

O epidemiologista ressalta que a volta às aulas é um passo da reabertura econômica que, teoricamente, coloca fim ao isolamento social recomendado por autoridades de saúde e o resultado é o aumento de casos. “O vírus se aproveita da grande circulação de pessoas para se disseminar e a tendência é de que voltemos a ter aumento no número de casos”.

 

Para autoridades internacionais à volta ás aulas presenciais só deveria ocorrer depois que todos fizessem testes para checar se alunos e trabalhadores da educação contraíram Covid-19, e depois também que fosse feito um rastreamento de contatos para isolar e tratar quem estiver infectado – quanto maior o rastreamento, menor a necessidade de testagem.

 

Segundo Diego Xavier, a forma como a volta às aulas está sendo ‘pensada’ não inclui esses protocolos mais aprofundados de prevenção e combate ao novo coronavírus. “Não bastam protocolos dentro da escola porque tem o caminho que a pessoa faz para chegar lá e isso não estão previsto”, afirma.

 

Assim como os estudiosos do mundo, o epidemiologista da Fiocrcuz fala da importância da testagem em massas das crianças, em especial as maiores de dez anos de idade que, de acordo com um estudo realizado na Coreia do Sul, são transmissoras em potencial do vírus tanto quando adultos, ainda que não apresentem nenhum sintoma e a doença não evolua nesse grupo.

 

Além desses fatores, a Fiocruz alerta também que há um agravante. É a desmobilização de recursos e desmonte de unidades de saúde, como hospitais de campanha, que são cruciais para o enfrentamento à pandemia, principalmente se aumentarem os casos de contaminação.

 

“Se aplicarmos a taxa de letalidade brasileira nesse cenário, estaremos falando de algo como 35 mil novos óbitos, somente entre esses grupos de risco”, ele explica.

 

De acordo com o epidemiologista, essa população terá de conviver com o vírus dentro da residência e, no caso de ter de recorrer ao serviço de saúde, o acesso será mais difícil.

 

“O SUS não terá folga grande para atender novos casos. Se colocarmos mais gente em circulação e o vírus voltar com força, não teremos como entender esses pacientes”, ele diz.

 

Responsabilidade

 

De acordo com o estudo da Fiocruz, o recomendável seria que estados e municípios oferecessem aos pais informações necessárias para que cuidados passassem a ser adotados dentro de casa e que deveriam ser ampliadas as atividades de vigilância epidemiológica dos grupos vulneráveis por meio de testagens e acompanhamento clínico permanente.

 

“Para que a gente pense na volta às aulas, são necessários planos específicos pra "identificar os casos muito mais cedo, isolar essas pessoas, rastrear pessoas que tenham contato com ela, tudo para interromper a cadeia de transmissão”, afirma Diego Xavier.

 

O argumento para a volta às aulas a qualquer custo é que as crianças e adolescentes não podem perder o ano letivo. Governadores e prefeitos desprezam os cuidados com a saúde e a vida por causa da pressão econômica dos donos de escolas particulares que temem perder alunos e, consequentemente, lucros. A pressão para que as aulas voltem nesse momento crítico, com mais de mil óbitos por dia é uma atitude arriscada.

 

Desigualdade

 

Outro ponto abordado pelo epidemiologista, que coloca em dúvida a volta às aulas é a desigualdade entre escolas públicas e particulares. Ele afirma que não se pode pensar em medidas levando em consideração as possibilidades e recursos de escolas particulares e aplicar esses protocolos em escolas públicas que “historicamente tem menos estrutura que escolas particulares”.

 

“Não vamos solucionar essa desigualdade em um curto prazo. As escolas públicas serão ambientes de menor controle, consequentemente, mais propícios para a disseminação do coronavírus”, explica Diego.

 

Resistência

 

Sindicatos em todo o país, organizados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE), já anunciaram que, se necessário, farão greve para que as aulas não retornem.

 

O presidente da CNTE, Heleno Araújo, afirmou ao Portal CUT que “o importante é salvar vidas que não podem ser recuperadas depois”. Ao todo, a CNTE tem em sua base mais de um milhão de trabalhadores no setor.

 

De acordo com pesquisa feita pelo Poder 360, 11 unidades da federação já têm propostas para retomar as atividades nas escolas: Acre, Alagoas, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande de Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.

 

No Rio de Janeiro, a Justiça suspendeu o decreto do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) que autorizava o retorno às aulas para o 4°, 5°, 8° e 9° ano, na rede privada da capital.

 

A decisão do desembargador Peterson Barros Simão, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proíbe, também, a abertura de atividades educacionais presenciais em creches e escolas privadas. A multa, em caso de descumprimento, é R$ 10 mil por dia.

 

Em São Paulo, o estado com maior número de casos de Covid19, o retorno é incerto. As metas para que a volta às aulas pudesse acontecer ainda não foram atingidas. Os critérios do Comitê Estadual de Contingência do Coronavírus estabelecem que todas as regiões administrativas do estado, tivessem um mínimo de 28 dias seguidos na fase 3 – amarela de flexibilização da quarentena. Atualmente, três regiões ainda estão na fase 1-vermelha, o que frustra os planos de retorno no dia 8 de setembro, conforme planeja o governador João Dória (PSDB). Na capital paulista, um inquérito sorológico feito pela Secretaria Municipal de Saúde mostrou aumento de contágios em idosos na capital.

 

A investigação aponta que 13,9% de todos os casos mapeados no estudo foram registrados em pessoas mais velhas. O medo dos especialistas, em concordância com os pesquisadores da Fiocruz é de que os estudantes tramitam a doença para seus familiares.

 

Ainda na capital paulista, o Sindicato de Servidores Públicos Municipais e entidades que representam trabalhadores da educação protestaram nesta quarta-feira (5) contra o Projeto de Lei 542/2020, que estabelece protocolos para a volta às aulas, a partir de 8 de setembro.

 

No Ceará, o governador Camilo Santana (PT), afirmou que deve reabrir as escolas em setembro, apesar do parecer contrário do Conselho Estadual de Educação (CEE). A orientação do CEE é que as atividades letivas continuem por meio remoto, até 31 de dezembro de 2020.

 

Na Paraíba, professores e professoras participaram de uma assembleia virtual realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação do estado (Sinte-PB) e decidiram não retornas às aulas e que se o governo estadual sugerir o retorno, a categoria fará greve por tempo indeterminado.

 

Fonte: https://www.cnte.org.br/

(com base na CUT Brasil, texto de André Accarini e Marize Muniz)

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