Por Osvaldo Bertolino
Sem
perspectiva de uma retomada rápida da economia no mercado interno, sem garantia
de crédito e com o crescente risco de assumir custos ainda maiores para demitir
lá na frente, empresários brasileiros desistem do programa de redução de
jornada e salário, criado pelo governo para evitar o aumento do desemprego
durante a pandemia do coronavírus.
Advogados
contam que a redução no número de funcionários já começou e, por orientação de
assessores jurídicos, ocorre a conta-gotas, uma vez que mandar embora um grupo
grande de trabalhadores pode levar a questionamentos judiciais. A informação é
da Folhapress.
Um
indicador do esgotamento do programa é o número de trabalhadores cadastrados
para receber a complementação salarial emergencial do governo. Segundo
acompanhamento divulgado pelo Ministério da Economia, pouco mais de 8 milhões
de trabalhadores com carteira assinada estão no programa. O número praticamente
não muda há semanas e está muito abaixo das projeções oficiais.
Ao
lançar a MP 936, medida provisória que detalha o programa, o governo estimou
que 24,5 milhões de profissionais teriam suas vagas protegidas pelo corte de
jornada e salário.
Uma
contrapartida exigida pelo governo para a empresa aderir é a garantia de que o
funcionário será preservado por três meses, em caso de redução de jornada e
salário, ou por dois meses, quando o contrato é suspenso. Quem demitir nesses
períodos, paga multa.
Consultores
e advogados ouvidos pela reportagem contam que já receberam várias consultas,
mas não citam nomes para não expor os clientes.
Letícia
Ribeiro, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, diz que o
crescente número de doentes e mortos, somado à instabilidade econômica e
política, faz as empresas considerarem a garantia de emprego um empecilho.
Ela
afirma que muitos chegaram a avaliar a adesão, mas decidiram monitorar o
cenário, enquanto usam outros dispositivos, como a antecipação de férias e uso
de banco de horas e feriados. Se persistir a sinalização de que a economia terá
dificuldades para reagir nos próximos seis meses, reduzir a folha de pagamento
se torna uma decisão racional.
No
icio de junho, a rede de restaurantes Coco Bambu dispensou funcionários que
estavam com contrato suspenso. De 7 mil funcionários, 1,5 mil foram desligados
no período de garantia de emprego e tiveram direito a dois salários integrais
como multa.
O
proprietário do Moisés Restaurante, desde 2004 na Asa Sul, em Brasília, não
aderiu ao programa. Temia a conjuntura. O tempo mostrou que a decisão foi
acertada. O restaurante fechou as portas. Dos 27 funcionários, 19 já foram
demitidos.
Ainda
no início da pandemia, entre o fim de março e início de abril, parte da equipe
foi colocada de férias, porque havia a expectativa de que seria possível
resistir à crise.
Ramos
afirma que, sem conseguir negociar o valor do aluguel e com um custo alto para
manter a operação do delivery, a solução foi vender tudo e entregar o ponto.
— Não
aderi à MP e, se tivesse feito isso, não ia resolver, só ia me afundar mais com
outra multa — diz.
Ramos
vendeu equipamentos, como câmaras frias, jogos de mesas e cadeiras. Até acabar
a mercadoria em estoque, manteve o delivery. Na calçada em frente ao
restaurante ofereceu parte das bebidas.
Com a
operação “família vende tudo”, pagou 19 das 27 rescisões. Até a segunda-feira
(8), quando entrega o imóvel, espera vender o que falta para pagar as demissões
restantes.
—
Ouvi dizer que vão acionar a Justiça porque demiti todo mundo, mas procurei
fazer tudo do melhor jeito possível, paguei tudo certo. A última coisa que eu
vou fazer é deixar funcionário na mão — afirma Ramos, que ainda faz planos de
reabrir o restaurante quando a crise passar.
Desde
o início da pandemia, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo
recebeu 32 denúncias de dispensas em massa, sem que houvesse o pagamento
integral das verbas rescisórias. Três viraram ações civis públicas.
No
Rio de Janeiro, esse foi um dos motivos que levou procuradores do trabalho a
processar a rede de churrascarias Fogo de Chão. A reforma trabalhista liberou
as demissões em massa sem a participação dos sindicatos, mas, segundo
advogados, o tema ainda é discutido na Justiça.
Segundo
advogados ouvidos pela reportagem, já há empresas que aderiram ao programa e,
por enfrentarem muita dificuldade financeira, preferem pagar a multa e demitir.
As
demissões em massa podem ser feitas, diz o advogado Jorge Matsumoto, do
Bichara. Mas ele recomenda que as empresas acrescentem algum pagamento ou
direito extra que mitigue os efeitos para os funcionários, além de concluir o
acerto integral de todas as verbas rescisórias.
Além
dos restaurantes, o setor hoteleiro também começa a não ver vantagem em estender
a suspensão de contratos. Segundo a advogada Mariana Bicudo, do Franco
Advogados, o segmento até segurou as demissões, porque os funcionários tinham
bancos de horas para compensar. Mas é cada vez mais difícil manter as equipes.
Dificuldade
para pagar rescisões
Larissa
Salgado, que atua no Rio Grande do Sul, diz que o pagamento de rescisões é a
grande dificuldade de empresas como casas de shows, um dos negócios mais
afetados pelo isolamento social.
Por
levarem a aglomerações em locais fechados, estão entre os últimos a reabrirem —
e não há receita com porta fechada.
O
presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA),
Alexandre Sampaio, diz que muitos empresários estão fazendo cálculos para tomar
decisões nos próximos dias. Não são poucos os que não têm dinheiro para cumprir
todas as exigências e terão que parcelar o pagamento das rescisões.
Para
quem aderiu à suspensão contrato ou ao corte de jornada e salário, a prioridade
é outra: conseguir a prorrogação das medidas enquanto os efeitos econômicos da
pandemia não se dissipam — o texto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado e
aguarda a sanção presidencial.
Como
a economia permanece em marcha lenta e ainda não há previsão de reabertura dos
negócios, Paulo Solmucci, presidente nacional da Abrasel, entidade que reúne
bares e restaurantes, afirma que, sem a prorrogação, o mais prudente para
muitos pequenos e médios empresários será demitir.
Fonte:
https://www.cnte.org.br/
(Publicado em 23/06/2020)
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