Há uma pedra gigante no meio caminho, diz Enilda sobre o governo Marão

 

Enilda Mendonça começou sua vida de militância política bem antes de ser professora. Militou na Pastoral da Juventude, na antiga Fespi - como estudante, durante o processo de estadualização - e, já na profissão que escolheu, passou a atuar na base de professores, participando ativamente das assembleias, movimentos grevistas, até chegar na direção do sindicato, há alguns anos. Para Enilda, o mandato de vereadora é consequência desta militância, da representatividade de mulher, educadora e dos movimentos sociais.

Em 2016, Enilda não ocupou pela primeira vez uma cadeira do Legislativo por falta de três votos nas urnas. Chegou a resistir a tentar novamente. Mas o seu trabalho sindical reabriu um caminho natural em direção à Câmara. Em 2020, venceu. Hoje é uma das mais atuantes parlamentares do Palácio Teodolindo Ferreira.

Líder da minoria, representante efetiva da Frente Parlamentar de Mulheres, presidente da Comissão Permanente da Educação, titular da Comissão de Orçamento e Redação Final, uma das mais importantes da Casa, Enilda é respeitada por aliados e adversários partidários. 

Nesta entrevista concedida ao Jornal Bahia Online, a proferssora e sindicalista conversou com o jornalista Maurício Maron. Falou da política local e estadual, a importância do fortalecimento da Câmara e até sobre o fato de o PT jamais ter conseguido chegar ao comando da cidade. A entrevista está imperdível.

Durante muito tempo a senhora esteve do outro lado da porta. Como sindicalista sempre cobrou ação dos vereadores. Hoje a senhora é parte do Poder Legislativo. Que olhar tem sobre a atuação da Câmara?

Quando você muda a ótica é lógico que você passa a ver questões que você não enxergava antes. Como sindicalista sempre participamos ativamente dos debates na Câmara, por que o nosso movimento sindical é de servidor público. Os enfrentamentos, os diálogos, a negociação para que a gente conseguisse alcançar os nossos objetivos sempre ocorreram. Porém, quando a gente chega lá, a gente consegue entender que temos obstáculos pela frente. Então as pessoas acham que o vereador pode tudo. E isso não é verdade.

Como funciona o exercício da fiscalização do Executivo, por exemplo?

Não é muito fácil fazer. Nem o Tribunal de Contas do Município ajuda muito. Antes talvez fosse até mais simples. O vereador ia até o TCM, pegava no processo, olhava. Hoje é tudo digitalizado, com fiscalização virtual. Mas o site do TCM que a gente fiscaliza não é fácil de transitar. Imagina: nós fiscalizadores temos essa dificuldade deste acesso, imagina o cidadão comum e eles falam em transparência pública. O outro lado é que o Poder Executivo não cumpre os prazos de prestação de contas. Às vezes queremos fiscalizar, mas não existe o que fiscalizar. O município simplesmente não cumpre o cronograma de prestação de contas. Temos solicitado providências ao TCM em relação a isso, já protocolamos denúncia. Por exemplo: estamos em novembro. A última prestação de contas foi em setembro. De lá pra cá já aconteceu muita coisa.

"Trabalhar esse processo democrático tem como grande desafio de ter que ouvir o que o outro tem a te dizer. Às vezes você não concorda mas precisa considerar o que o outro está dizendo. E se o Coletivo entende de determinado jeito a gente precisa se submeter à decisão da maioria. Senão não é democrático."

Há uma espécie de crítica popular ao Poder Legislativo que considera que para a Câmara ser pior basta ter uma nova eleição.  Você entende desta forma? Que avaliação você faz do Parlamento Municipal?

Sou otimista. Penso que precisamos usar o processo eleitoral para depurar e melhorar os legisladores. A população precisa pensar mais, refletir mais. Qual o papel do legislativo e pra que eu elejo. Se eu elejo alguém por que quero que me dê um remédio, que atenda uma necessidade minha, eu estou abrindo mão de alguém para lutar pela cidade. Quem tem a varinha de condão para dizer quem vai estar lá dentro é a população. Os eleitos são o reflexo do que é a nossa sociedade. Creio que a gente tem melhorado muito nesta legislatura, basta você acompanhar os debates e fazer o comparativo. E não falo do comparativo de quem é melhor ou pior. Não é esse o debate. Todos têm o seu valor. Mas se for olhar o comparativo, a gente percebe mais debate ocorrendo e isso democratiza a discussão sobre a cidade.

Participei diretamente da dinâmica da Câmara por oito meses. Fui assessor de imprensa da Casa e participei de todas as iniciativas parlamentares. Considero as Audiências Públicas importantíssimas, mas esvaziadas. Só está lá, além da sociedade, o vereador que a organiza e mais um ou dois. Alguns, depois do registro da foto, se ausentam e não voltam mais...

... se a gente for olhar a organização interna da Câmara, os espaços de debate são pequenos. A sessão é um rito e eu não posso fazer o que quero, na hora que quero. Posso falar apenas no pequeno e no grande expediente. Somando os dois espaços, são 13 minutos para você abordar um tema. Muito pouco. As audiências permitem debater temas de forma mais aprofundada. Ela é o mecanismo de extrema importância para ampliar o debate, envolver mais pessoas, enriquecer o nosso olhar sobre determinado problema. Outro instrumento importante são as Frentes Parlamentares. Nela a gente consegue ampliar o debate do seu mandato. Ou é isso ou são 26 minutos (13 minutos e duas sessões) por semana para debater e defender a população.

"A nossa população do campo é abandonada. Na LOA você sabe qual o investimento que tem para a educação no campo determinada pelo governo municipal? 50 mil reais pro ano inteiro. E dão nome bonito para isso: Programa de Sustentabilidade Empreendedorismo para Educação no Campo. 50 mil reais!!!! Ano inteiro!!! Vou repetir. É para educação e para empreendedorismo."

A senhora é líder da minoria. Falo da minoria mesmo. Três dos 21 vereadores. Como é a sensação de ter sempre as ideias do seu bloco derrotadas no plenário?

O Parlamento é isso. Apesar de muita gente achar que ali não é a Casa das Ideias, mas é. É a Casa de Divergir e também onde se faz permanentemente o debate político. Você tem que entender que quando você está em um espaço de disputa, vai prevalecer o voto. A gente sabe que todos os debates que a gente levar pra lá pra dentro, na condição de minoria, a gente terá maior chance de sair com o debate prejudicado, do que vitorioso. A verdade é que a população precisa compreender o papel da minoria. A minoria não é oposição ao município. É ao gestor municipal. São coisas distintas e a gente tem feito esse papel. Tem inúmeros projetos do Executivo que a gente vota, aprova. A gente também tem pontuado, apresentado propostas para o Executivo, como ele pode melhorar a vida das pessoas. Quando a gente discorda o que a gente quer é promover um maior debate, garantir um benefício à população.

O prefeito Mario Alexandre começou o atual mandato navegando em um mal calmíssimo. Três vereadores de oposição apenas. Mas os últimos acontecimentos, em que alguns se rebelaram e aprovaram uma CEI contra o gestor, significam que esse bloco de oposição pode fechar o ano um pouco maior?

Com o decorrer do tempo e dos debates, as pessoas vão começando a se posicionar e mudar o seu caminho. É um processo natural. Creio que todos os vereadores que hoje têm pontuado fazendo críticas mais públicas à gestão, eles são críticos à forma de governar. Mas não contra a população. Esse grupo pode ajudar muito. Quando não há tanta uniformidade de um único lado, a gente melhora o debate, enrique a discussão e a população ganha.

"Se você analisar o planejamento que não há no município, verificamos que não temos políticas públicas voltadas para resolver os problemas do povo. Não fossem os convênios hoje existentes e o apoio do governador, estaríamos vivendo uma situação muito difícil."

O que a senhora ter a dizer sobre este acordo, criticado pela Câmara e pela própria população, feito entre a Prefeitura e as empresas de Transporte Coletivo da cidade, que inclui ajuda financeira, aumento da tarifa, até possibilidade de redução da frota nas ruas e isenção de impostos?

Trata-se de um divisor de águas. Um acordo unilateral, que só beneficia um lado. Acordo só é bom quando os dois lados são beneficiados. As empresas conduziram o processo de tal forma que foram beneficiadas com tudo. E a população com nada. Este foi o pior acordo que poderia existir. Ninguém aqui está dizendo que não é necessário debater a situação das empresas. O que a gente está dizendo é que temos um processo judicial que foi pedido uma indenização de 8 milhões de reais e o processo finalizou com uma indenização de 15 milhões de reais mais alguns outros benefícios que totalizam muito mais que isso. Olha, por exemplo, o que aconteceu no Enem. O município disse que iria ter o ônibus. Aí no dia, na prática, a população não conseguiu chegar ao destino, especialmente a população do campo e, imediatamente, o município é quem informa que as empresas cumpriram. Olha que coisa: não são as empresas que têm que dizer e provar que cumpriram? Aqui é o município que justifica as empresas, olha que coisa! Tem alguma coisa errada nesse processo.

O PT de Ilhéus, em sua grande maioria, tem uma relação crítica ao governo municipal, que é o grande aliado e parceiro do PT estadual, observando-se a relação que o prefeito Mário tem com o governador Rui Costa. Não é complicado de a população entender isso?

O PSD, partido do prefeito, faz parte da base aliada do governador. É normal de que os dois partidos estejam em diálogo dentro da política estadual. O PT de Ilhéus tem o seu posicionamento, enquanto diretório municipal, de não caminhar com ele. E foi garantida, democraticamente, a decisão do partido local. Imagina se a gente tivesse que estar aqui com todos os partidos da base aliada em Salvador. O PP (partido liderado pelo ex-prefeito Jabes Ribeiro) também é da base estadual. A questão é que temos restrições ao governo do PSD em Ilhéus. Uma das principais é o afastamento de quase 300 trabalhadores com mais de 30 anos de serviços prestados ao município. Isso é uma pedra muito gigante no meio do caminho. O governo municipal não se mostrou flexível para resolver esta situação. Infelizmente. Estamos no Tribunal de Justiça da Bahia aguardando o julgamento da ação. A gente confia no retorno destes trabalhadores.

"Vai fazer um exame nessa cidade. Vai depender de ter uma consulta com um oncologista nesta cidade, dizer a uma pessoa que tem um câncer que ela terá que esperar três ou quatro meses para ser atendida por um especialista para fazer uma avaliação do seu quadro clínico. E é a realidade."

O Estado anunciou recentemente uma série de investimentos na área de Educação. A senhora é educadora. Como avalia estes investimentos?

O governador tem um carinho especial por Ilhéus. Você ouve isso em todo lugar. Na Educação há, de fato, o investimento de ampliação e construção de escolas. É de extrema importância. Tem a nova escola do CSU, que vai abarcar as Escolas Paulo Américo e Rotary; uma nova escola na zona sul, substituindo o Moisés Bohana; ampliação do CEEP Nelson Schaun e a revitalização do Colégio Modelo... essas ações trazem uma modernidade do equipamento que hoje torna-se necessário. Fora isso temos dois hospitais, UPA, nova ponte, duplicação da Ba 001 na zona sul, saneamento básico e por aí vai. Pense comigo: não fossem essas obras do Governo do Estado em Ilhéus nós estaríamos numa situação muito pior, especialmente com a chegada da pandemia.

A Educação tem sido um dos alvos das críticas da oposição sobre a gestão do PT... Investiu-se muito nas escolas técnicas. Mas parece que o conceito agora mudou para Escolas de Tempo Integral (ETI). Que análise a senhora faz da educação na Bahia?

O fato de ser vereadora do PT não quer dizer que eu não tenha críticas ao governo. Vamos lá, na prática. Transformaram o (Colégio) Sá Pereira que era escola normal em Escola de Tempo Integral. E aí, o que aconteceu? Sem fazer um processo de sensibilização da comunidade, os jovens não aceitaram bem. Aí todos saíram de uma escola que era lotada e bem avaliada e foram procurar outra escola de ensino médio tradicional. O Sá Pereira foi esvaziado a tal ponto de ser fechado e entregue ao município. O (Colégio) Modelo também entrou como ETI... tá lá esvaziado. Então assim: qual a política pública que a gente vai fazer, mas que se tenha que trabalhar, principalmente, com a base? Não adianta um técnico de Salvador dizer que o caminho é esse, se eu não conduzir a base para esse caminho. A ETI é fantástica. A gente precisa mesmo ampliar a permanência do aluno na escola mas como é que isso deve ser construído? É óbvio que avançamos muito. Mas é preciso fazer as críticas e reforçar que, para além de cuidar dos prédios, é preciso cuidar de quem estará dentro dele. Também sou crítica à questão da valorização profissional, da falta de reajuste salarial dos trabalhadores em educação.

"Precisamos também entender que quando a gente elege um Legislativo não pode cobrar dele que resolva atribuições do Executivo. Quando isso acontece a sensação que passa é que o Legislativo pode ser suprimido. Não é assim. Eu acredito nas organizações, nas instituições. Poderes fortalecidos conseguem manter a harmonia e a independência. E independência não significa que você não apoie o outro. Mas que cada um respeite o seu papel."

Vereadora, onde a senhora quer chegar?

(Risos) Ter sido eleita vereadora não foi um planejamento na construção de ascender a uma carreira na política. Foi uma necessidade dos movimentos. De ter uma voz na Câmara. Política é um processo em construção. Vou caminhar, vou continuar caminhando sem atropelar. Onde vou chegar... não sei. Mas vou me esforçar para ser uma boa vereadora. Será um papel cumprido.

De que adianta ser um bom vereador se na hora de avaliar o mandato as pessoas jogam todos no mesmo saco? A análise torna-se superficial e coletiva.

A imagem do Legislativo precisa ser melhorada. Mas não é uma coisa local. Quando a gente fala da Câmara dos Deputados, do Senado, das Assembleias Legislativas, as pessoas entendem como se fossem algo que a gente poderia viver sem elas. Não é uma condição de Ilhéus. Agora... precisamos também entender que quando a gente elege um Legislativo não pode cobrar dele que resolva atribuições do Executivo. Quando isso acontece a sensação que passa é que o Legislativo pode ser suprimido. Não é assim. eu acredito nas organizações, nas instituições. Poderes fortalecidos conseguem manter a harmonia e a independência. E independência não significa que você não apoie o outro. Mas que cada um respeite o seu papel.  

"Política é um processo em construção. Vou caminhar, vou continuar caminhando sem atropelar. Onde vou chegar... não sei. Mas vou me esforçar para ser uma boa vereadora. Será um papel cumprido."

Por que a população de Ilhéus resiste tanto à uma gestão do Partido dos Trabalhadores?

Não acredito que essa resistência seja ao partido. Quando a gente avalia as eleições, em geral o PT é bem votado em Ilhéus. O que ocorre é que nas candidaturas locais a gente ainda não conseguiu aglutinar pontos de convencimento do eleitorado ilheense. Tivemos perto disso com a Professora Carmelita em 2012.

Como cidadã, que avaliação você faz da gestão municipal?

Primeiro entendo que quem melhor avalia um político é a população no momento da eleição. E se a população deu essa expressiva votação na reeleição é por que avaliou o trabalho do prefeito positivo. Isso não impede que eu me posicione. Se você analisar o planejamento que não há no município, verificamos que não temos políticas públicas voltadas para resolver os problemas do povo. Não fossem os convênios hoje existentes e o apoio do governador, estaríamos vivendo uma situação muito difícil. Quando eu não tenho uma política para atender os mais necessitados, eu não posso aplaudir isso. Vai fazer um exame nessa cidade. Vai depender de ter uma consulta com um oncologista nesta cidade, dizer a uma pessoa que tem um câncer que ela terá que esperar três ou quatro meses para ser atendida por um especialista para fazer uma avaliação do seu quadro clínico. E é a realidade. Vai você morar num distrito de Ilhéus!!!

"Pense comigo: não fossem essas obras do Governo do Estado em Ilhéus nós estaríamos numa situação muito pior, especialmente com a chegada da pandemia."

Triste isso.

Sim. A população mais vulnerável, que depende da política pública, ela não tem acesso. A minha avaliação é de que estamos longe da perfeição que se mostra. A nossa população do campo é abandonada. Na LOA você sabe qual o investimento que tem para a educação no campo determinada pelo governo municipal? 50 mil reais pro ano inteiro. E dão nome bonito para isso: Programa de Sustentabilidade Empreendedorismo para Educação no Campo. 50 mil reais!!!! Ano inteiro!!! Vou repetir. É para educação e para empreendedorismo. Aí a gente faz a leitura, né? Não temos previsão de projeto político para a população mais vulnerável da nossa cidade.

É possível como vereadora ajudar a gestão?

Vou te dar dois exemplos: consegui para a travessa da avenida Guanabara (Corante), uma emenda parlamentar do deputado federal Josias Gomes no valor de 200 mil reais para a execução da drenagem da área. Quando chove a água invade com mais de meio metro as casas dali. Também a revitalização de uma praça. Também queria destacar que não temos água potável nos distritos. Conseguimos para o Banco do Pedro, aprovar orçamento no âmbito da Cerb, também com o apoio de Josias, para a realização de obras para captação, tratamento e distribuição de água, que vai beneficiar 600 famílias, um investimento de 400 mil reais.

"A questão é que temos restrições ao governo do PSD em Ilhéus. Uma das principais é o afastamento de quase 300 trabalhadores com mais de 30 anos de serviços prestados ao município. Isso é uma pedra muito gigante no meio do caminho."

Que projetos a senhora considera entre os mais importantes do seu mandato?

O de criação de políticas públicas de economia solidária é, sem dúvida, o mais relevante. Oportuniza as pessoas a acreditarem em seu próprio potencial, mas criando uma rede sólida e solidária de apoio e atendimento ao empreendedorismo. Este é o momento para fortalecer esse modelo de valorização cidadã.

A senhora traçou um formato diferente para o seu mandato. o formato de Participação Coletiva. A senhora não decide sozinha os caminhos que devem tomar. Como funciona?

Temos pessoas voluntárias que compõem um conselho político. A gente se reúne, faz o planejamento do mandato, distribui as tarefas por prazo e vamos avaliando as ações e pontuando no que acerto e no que erro. Trabalhar esse processo democrático tem como grande desafio de ter que ouvir o que o outro tem a te dizer. Às vezes você não concorda mas precisa considerar o que o outro está dizendo. E se o Coletivo entende de determinado jeito a gente precisa se submeter à decisão da maioria. Senão não é democrático.

Fonte: Entrevista Maurício Maron - site jornalbahiaonline

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