A Lei 11.738, que regulamentou o piso salarial profissional do magistério, foi uma conquista represada por 181 anos na história da educação brasileira. A primeira vez que o país vivenciou a experiência de piso salarial para os/as professores/as da educação básica foi à época do Império, em 1827. A lei, no entanto, não prosperou por falta de compromisso político do Poder Central e das províncias. Naquela ocasião, o financiamento da educação era praticamente limitado às receitas de impostos resultantes das vendas de carne e aguardente. A educação era artigo de luxo, com alto índice de exclusão social. Os negros ainda escravizados e as classes populares, que representavam e continuam a representar quase toda a população, não tinham acesso à escola.
Quase dois séculos depois – e no advento político-social da
educação inclusiva – o Brasil conseguiu reparar em parte essa dívida com seus
professores, atualmente cerca de 2 milhões de profissionais, sendo quase 1,6
milhão do sexo feminino. E embora o piso salarial nacional tenha contribuído
para elevar a remuneração média da categoria, ele
ainda não foi capaz de ajudar a equiparar os rendimentos do
magistério público de nível básico em relação a outros profissionais não
professores com mesmo nível de escolaridade. A insistência de parte
considerável dos gestores em descumprir a lei federal e o achatamento das
carreiras dos servidores da educação são alguns dos motivos de uma
desvalorização histórica e estrutural, em boa parte explicada
pela discriminação de gênero nas relações de trabalho em nosso país.
A matéria publicada no site do jornal Folha de São Paulo,
nesta segunda-feira (19), sob o título “Governo Bolsonaro quer acabar com
aumento real de piso salarial de professor” revela as faces de um governo que
insiste em penalizar a educação e seus profissionais. Ao mesmo tempo em que faz
propaganda para exaltar o reajuste de 12,84% do piso do magistério neste ano de
2020 (percentual garantido por lei e não pelo Governo!), ataca a categoria com
a ameaça de reduzir os futuros percentuais de atualização da lei. E para piorar
utiliza dados inverídicos para sustentar sua pretensão nefasta. A informação de
que o aumento da complementação da União ao FUNDEB, até 2026, implicará em
reajustes anuais de 15,4% no piso do magistério, conforme destacado na matéria
jornalística, não condiz com verdade. Isso porque o critério de correção do
piso leva em consideração as estimativas de receitas de estados e municípios
(excluída a complementação da União), de modo que para 2021 a projeção do
reajuste é de 5,89%, correspondente ao crescimento percentual do custo aluno do
FUNDEB entre 2019 (R$ 3.440,29) e 2020 (R$ 3.643,16).
Num país que mantém a última posição no ranking salarial
entre as nações pesquisadas pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), com patamares remuneratórios abaixo da média
verificada nas mais de 40 nações desenvolvidas e em processo de desenvolvimento
pesquisadas, é lamentável que o Estado brasileiro
insista em perseguir os/as professores/as e suas remunerações
ainda rebaixadas (o piso salarial do magistério em 2020 é de R$ 2.886,24).
A CNTE espera contar com a sensibilidade do parlamento
brasileiro para aprofundar o debate sobre a importância de se garantir ganhos
reais ao piso do magistério, sobretudo com a perspectiva de aumento das
receitas de estados e municípios com o novo FUNDEB e tendo a meta 17 do Plano
Nacional de Educação como referência.
Aproveitamos a ocasião para manifestar a total discordância
dos/as trabalhadores em educação com a notícia veiculada na matéria supracitada
de que o governo federal pretende regulamentar o FUNDEB através de medida
provisória e com previsão de repasse de recursos do Fundo Público para
entidades privadas que atuam em todas as etapas da educação básica (educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio). Essa última orientação colide com
o comando do art. 213 da Constituição Federal, que só permite convênios
públicos na área educacional com entidades conveniadas para prestar assistência
onde houver déficit comprovado de vagas nas redes públicas, o que não é o caso
de parte significativa das etapas e modalidades escolares no Brasil, onde o
atendimento público supre toda a demanda manifesta por matrículas estudantis.
A CNTE se manterá alerta e atuante nos debates da
regulamentação do FUNDEB e nas tratativas sobre a atualização do piso do
magistério, a fim de que ambas as políticas públicas se voltem efetivamente
para a qualidade da educação e a valorização de seus profissionais.
Brasília, 19 de outubro de 2020
Diretoria da CNTE
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