(Entrevista concedida ao site Jornal Bahia Online)
Dentre as inúmeras
lutas travadas, diariamente, pelos sindicatos ligados aos servidores públicos
de Ilhéus, uma tornou-se prioridade nas últimas horas. O juiz Alex Venicius, da
1ª Vara da Fazenda Pública de Ilhéus, deu sentença favorável à exoneração de
todos servidores admitidos pela prefeitura, sem concurso público, entre 5 de
outubro de 1983 e 5 de outubro de 1988 e dos funcionários que ingressaram na
Secretaria de Desenvolvimento Social, por meio de seleção simplificada (edital
002/2017). Isso significa a imediata
demissão de, pelo menos, 600 trabalhadores. A maioria com idade avançada e já
sem a mesma força para a competitividade exigida pelo mercado de trabalho.
A sentença é
resultado de uma ação popular movida por candidatos aprovados no concurso público
realizado pela gestão anterior, em 2015, na qual são réus o Município, o
prefeito Mário Alexandre e o secretário de Administração, Bento Lima. O
Ministério Público também pediu o afastamento dos servidores não concursados.
Mas os sindicatos consideram que a decisão que envolve concursados aprovados e
gestores, deixou de fora a parte mais sensível desta batalha: os trabalhadores
atingidos pela disputa, que precisam ser, pelo menos, ouvidos.
O fato é que há
direitos conquistados pelos concursados. Mas há também a necessidade de uma
preocupação social com os servidores atingidos pela sentença. É o que diz nesta
entrevista exclusiva, a sindicalista Enilda Mendonça, da APLB/APPI – Associação
dos Professores de Ilhéus. A sindicalista e professora abre o verbo contra a
sentença, fala de injustiça e diz que os sindicatos que entraram nesta luta não
vão abrir mão de defender os interesses destes servidores ameaçados de
demissão. Ela chega a considerar desesperadora a situação destes pais e mães de
família que podem ser atingidos pela sentença judicial. Enilda é uma das
líderes do movimento de resistência contra a sentença, participando de atos nas
portas da Prefeitura e até do Fórum local.
Leia:
A primeira coisa
nesta entrevista que eu gostaria, é entender como se chegou até aqui,
culminando com a determinação da justiça para a demissão de cerca de 600
servidores públicos de Ilhéus.
O município fez um
concurso em 2015 e começou a chamar os aprovados em 2016. E nesse concurso o
município convocou aprovados de vários setores, de várias secretarias mas, de
outras, não chamou ninguém, até o momento. Então três pessoas que fizeram o
concurso e foram aprovadas, se sentiram lesadas no direito deles e buscaram a
justiça para que pudessem ser convocadas. Na peça da petição inicial que eles
construíram, eles alegam que o município tem no quadro contratos irregulares,
enquanto tem concursados que não foram chamados. Dentre estes contratos que não
fizeram concurso, eles incluem e pedem o desligamento dos servidores de 1983 a 1988,
dos agentes comunitários e de endemias, assim como o desligamento dos
contratados para que os aprovados possam ser chamados via concurso.
E aí...
... o juiz deu a
sentença para que este pessoal mais antigo fosse imediatamente afastado.
O que ainda precisamos compreender nisso tudo?
O pessoal que entrou
antes da promulgação da Constituição (1988) não havia obrigatoriedade de fazer
concurso público. Isso não é um caso isolado de Ilhéus. É do Brasil inteiro.
Quando a Constituição entrou em vigor, a partir dali estabeleceu-se que quem
tinha mais de cinco anos de serviço, ou seja, quem entrou antes de 4 de outubro
de 1983, teria garantido o emprego e a estabilidade. As pessoas que não tinham
ainda cinco anos completos, garantiram o emprego mas não garantiram a
estabilidade. Mas o fato de as pessoas não terem estabilidade não significa que
possam ser mandadas embora por qualquer coisa.
Essas pessoas não fizeram concurso, correto?
O emprego destas
pessoas, por não ter tido o concurso público, não é ilegal. Por que naquela
época no Brasil não havia a exigência do concurso público.
E o que os agentes de saúde e de endemias tem a ver
com isso?
A municipalização da
saúde necessitou de um processo de seleção em todo o Brasil. Então houve uma
transposição deste serviço público federal para o municipal e, naquele período,
houve uma seleção para estas pessoas. E houve uma emenda constitucional
garantindo a esses que fizeram o processo seletivo o direito à estabilidade.
Não foi considerado nada disso na decisão do juíz.
Mas há coerência na decisão?
Na sentença, o juiz
diz que os contratos temporários da educação são todos regulares, pode manter.
Olha só se não é no mínimo incoerente. Quem entrou de 83 a 88, na época em que
não exigia concurso público e que está no serviço há mais de 30 anos, estes têm
que ser desligados imediatamente. Os que entraram agora, temporariamente, esses
podem continuar por que está tudo certo. Não é incoerência isso?
Na sentença está garantido o direito destes
trabalhadores?
Primeiro deixa
salientar uma coisa. Os sindicatos pediram para ser Amicus Curiae (Amigos da
Corte) nessa ação e o juiz negou. Por que trata-se de uma ação Civil Pública e
os réus são o município, o prefeito e o secretário de Administração. Então nós
fomos lá e dissemos que somos partes interessadas neste processo. Isso nos foi
negado pela justiça, que a gente acompanhasse. Nós entramos com um embargo e
fizemos o seguinte exercício de raciocínio: o senhor está dizendo que meu
emprego não é legal, que eu vou ser demitido, mas o senhor não me ouviu. A gente
quer ser ouvido por que é a vida da gente que está em jogo.
Repito, se está ilegal na interpretação do juiz, ele
reconhece direitos para estas pessoas com a imediata demissão?
Ele reconhece que
estes trabalhadores têm direito. Sim, mas nós conhecemos o município. O
município não paga parcelas trabalhistas a ninguém, o município não recolhe
FGTS de ninguém... então essas pessoas que forem desligadas de imediato, elas
vão ficar ao léu, sem ter condições de se sustentar. É questão de sobrevivência
mesmo.
Cumprimento imediato?
Digamos que hoje o
município cumpra essa sentença. Aí os professores, por exemplo, vão ser
demitidos. Quem vai concluir o ano letivo? Inviabiliza o ano letivo? Então a
sentença não leva em consideração nem o aspecto social, nem o que a sociedade
vai sofrer com isso. O que a gente diz ao pai e a mãe do aluno? Volte pra casa
com seu filho e o ano que vem você traz para ele repetir o ano? Tirar um que
tem 30 anos para contratar um imediatamente? Tem tempo hábil? É um caos instalado.
Há mais questionamentos da parte dos sindicatos?
O Juíz é da Fazenda
Pública. Nós somos da CLT. Nosso vínculo empregatício só pode ser julgado, no
nosso entendimento, pela Justiça do Trabalho. A Vara da Fazenda não tem
competência para julgar sobre o nosso contrato. Nós não somos estatutários.
Segunda coisa: foi esquecido de fazer a análise local. Ele disse na sentença
dele que estava passando a limpo a história de Ilhéus. Nós não estamos
precisando de super-heróis na história de Ilhéus. Precisamos de juízes que
julguem as ações de improbidade contra ex-gestores que desviaram recursos
públicos do município.
E qual o sentimento das pessoas que correm o risco de
perder o emprego tantos anos depois?
As pessoas estão
desesperadas. E eu compreendo esse desespero. Pense uma pessoa com 60 anos de
idade, 32 de serviço, faltando três anos para se aposentar... onde essa pessoa
vai arranjar outro emprego para concluir o tempo de contribuição? Nem pagando
como autônomo por que ele vai viver de que? É uma punição ao trabalhador
servidor por algo que ele não cometeu. Então o que que nós queremos, qual é a
nossa briga: nós queremos ter direito à ampla defesa. Não dá antes mesmo de
tramitado e julgado mandar fazer a demissão destas pessoas. Cabe recursos e
enquanto couber é preciso garantir o direito da ampla defesa.
E qual o próximo passo?
Nós estamos tentando
embargar a antecipação que o juiz deu e já estamos providenciando recorrer
junto ao tribunal, pedindo o efeito suspensivo da sentença. Estamos buscando os
caminhos jurídicos para garantir o emprego destas pessoas. E dizendo ao
prefeito, aos políticos de Ilhéus, de que não há de se cumprir sentença antes
do trânsito e julgado. Temos pedido essa sensibilidade a eles.
Vocês têm uma proposta para se tentar um acordo?
É fazer o debate
judicial até esgotar todos os trâmites judiciais. A gente não tem dúvida de que
consegue ganhar esse debate judicial. Queremos entrar na ação, discutir e fazer
a defesa destes trabalhadores.
Comentários