Ajuste fiscal é castigo velho para os
servidores públicos da prefeitura de Ilhéus. Com o retorno de Jabes
Ribeiro ao comando do Palácio Paranaguá, em janeiro de 2013, arrocho
salarial e ameaça de demissões são temas recorrentes.
Os salários dos servidores municipais não são
corrigidos desde 2012. Considerada a estimativa do IBGE para a inflação de 2015
(7,15%), a defasagem dos vencimentos vai bater a marca de 19,47% no final desse
ano.
Segundo o Prefeito Jabes Ribeiro, em 2013 a
despesa com a folha de pagamento comprometia 78% da receita do município. Em
2015 está “na faixa de 61%”, portanto, acima do limite estabelecido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (54%). Esse “inchaço” impede a prefeitura de corrigir o
salário do servidor.
O Sindicato dos Servidores da Prefeitura de
Ilhéus (SINSEPI) levou a questão para a justiça e aguarda em silêncio por
uma resposta. Enquanto isso, Jabes afirma que um reajuste salarial obrigaria o
governo a demitir centenas de “pais de família”. A ameaça pesa sobre os
empregados públicos não estáveis, aqueles contratados entre 1983 e 1988, antes
da promulgação da Constituição Federal. Vale ressaltar que muitos desses
servidores estão próximos da aposentadoria.
Será que Jabes Ribeiro, gestor nada disposto
ao diálogo, pode desencadear demissões em massa a partir de um arroubo
autoritário, como se fosse a própria lei? Essa pergunta nos motivou a
entrevistar um representante do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Na última sexta-feira, 22, o Blog do
Gusmão entrevistou o Procurador do Trabalho Ilan Fonseca. Com 36 anos e há
18 meses atuando na sede do MPT em Itabuna, Fonseca explica as etapas que
o prefeito deverá cumprir, caso decida exonerar centenas de trabalhadores de
meia idade, muitos com 30 anos de serviço público.
Outros assuntos de grande importância para os
servidores de Ilhéus foram discutidos. Vale a pena ler a entrevista.
Blog do Gusmão – O prefeito Jabes Ribeiro diz que
pode demitir servidores que não gozam de estabilidade, como os contratados
entre 1983 e 1988, caso seja obrigado a reajustar salários. O gestor pode
demitir trabalhadores contratados há quase trinta anos, antes de exonerar funcionários
que ocupam cargos de confiança e reduzir custos de contratos entre o município
e empresas?
Ilan Fonseca – Não. Essa possibilidade não é
dada para a Prefeitura de Ilhéus. A legislação e a Constituição são muito
claras ao estabelecerem que somente é possível a demissão de servidores não
estáveis após a redução de vinte por cento de todos os cargos em comissão.
Portanto, para que a demissão desses servidores que entraram entre 1983 e 1988
seja considerada válida, seria necessário fazer inicialmente um levantamento de
todos os cargos em comissão que existem na prefeitura hoje. Havendo uma redução
de 20% do total de cargos comissionados, seria possível a demissão desses
servidores.
BG – O prefeito também é obrigado a demitir os
servidores que têm contratos temporários?
Ilan Fonseca – A legislação e a Constituição
não tratam especificamente do tema, mas, por uma questão de interpretação de
razoabilidade, é natural que antes da demissão de servidores que fizeram
concurso público e que já estão há mais de trinta anos na prefeitura, seria
natural que a demissão desses servidores fosse precedida pela exoneração
daqueles que têm contrato temporário.
BG – Há jurisprudência da Justiça do Trabalho
sobre essa interpretação que exige o desligamento dos temporários antes da
demissão dos servidores não estáveis?
Ilan Fonseca – Não conheço jurisprudência em
relação a esse tipo de caso, mas, quero ressaltar que todo procedimento de
dispensa em massa, toda demissão promovida por determinado ente público ou
privado que vá atingir uma coletividade de trabalhadores, por força de lei,
deve ser precedida por uma negociação coletiva. Se essa decisão do município de
Ilhéus atingir uma quantidade grande de trabalhadores, a Prefeitura de Ilhéus
necessariamente deverá sentar para conversar com o sindicato da categoria e
negociar com ele. Somente depois disso os trabalhadores poderiam ser demitidos.
Sobre a necessidade de negociação coletiva existe uma jurisprudência da Justiça
do Trabalho: dispensas massivas somente podem acontecer se precedidas por
negociação coletiva.
Seria necessário fazer um “raio-x” das contas
da prefeitura para ver se realmente são verdadeiros os argumentos que sugerem a
extrapolação das contas de pessoal. É necessário fazer uma análise aprofundada
para chegar a essa conclusão.
BG – A legislação obriga o prefeito a divulgar na
internet os dados considerados no cálculo do índice de despesa com pessoal?
Ilan Fonseca – Sim. A legislação
administrativa que trata sobre transparência faz essa exigência. Ela estabelece
que deve ser dada ampla transparência a esses dados municipais.
BG – A prefeitura realizou seleções públicas e
contratou centenas de servidores de modo temporário. O governo não se contradiz
ao promover essas contratações enquanto afirma que não pode elevar os custos
com a folha salarial?
Ilan Fonseca – Sim, há uma contradição
inerente. Ao mesmo tempo em que a prefeitura incha seus quadros para prestar um
serviço à população, ela não pode posteriormente dizer que precisa se adequar à
Lei de Responsabilidade Fiscal e, por conta disso, exonerar esses
trabalhadores. Se isso acontecer pode ser configurada uma discriminação
inversa, ou seja, priorizando candidatos a empregos na prefeitura que
recém-ingressaram nos quadros, em detrimento daqueles que já estão na
prefeitura há mais de trinta anos.
BG – Quais são os passos que o prefeito deve
seguir para promover demissões de servidores não estáveis?
Ilan Fonseca – Pelo que está previsto na
Constituição, os primeiros passos são: identificar as maiores despesas do
município, se essas despesas se dão com pessoal ou se em cargos de comissão;
reduzir em 20% as despesas com cargos comissionados, depois a redução dos
servidores do quadro de servidores temporários, e somente após isso, a redução
do quadro de servidores concursados e que ingressaram há mais de trinta anos na
prefeitura.
BG – Há sempre um confronto entre a lei do piso
nacional dos professores e a de responsabilidade fiscal. Como o Ministério
Público do Trabalho encara esse confronto entre duas leis, uma que favorece os
trabalhadores e outra que exige o enxugamento da “máquina”?
Ilan Fonseca – A esfera de atuação do
Ministério Público do Trabalho é a luta pelo cumprimento das leis trabalhistas
e ele tenta harmonizar esse interesse com o que dispõe a legislação de
responsabilidade fiscal. Seria necessário fazer um “raio-x” das contas da
prefeitura para ver se realmente são verdadeiros os argumentos que sugerem a
extrapolação das contas de pessoal. É necessário fazer uma análise aprofundada
para chegar a essa conclusão de que reajustes salariais e folha de pagamento
impactam na Lei de Responsabilidade Fiscal. Fora disso, tudo é mera suposição.
BG – O que prevalece: o direito do trabalhador ou
a Lei de Responsabilidade Fiscal? Qual entendimento da Justiça do
Trabalho sobre isso? Recentemente a Justiça obrigou a Prefeitura de Ilhéus a
pagar o piso nacional do magistério.
Ilan Fonseca – Para mim não há contradição
entre as duas questões. É possível que haja o reajuste, a prestação de serviços
à sociedade e a diminuição de despesas em outras áreas. Os gestores sabem quais
áreas são menos sensíveis a esse enxugamento. Portanto, é uma questão sobre
prioridades. Deve-se priorizar determinados serviços e economizar custos em que
não sejam prioritários do ponto de vista do gestor.
BG – A jurisprudência da Justiça do Trabalho exige
que demissões em massa sejam precedidas por negociação, como o senhor explicou.
Que tipo de negociação? Isso está ocorrendo com frequência?
Ilan Fonseca – Sim, isso tem acontecido em
todo o Brasil com empresas aéreas, grandes frigoríficos, montadoras de
automóveis, e, recentemente, com a EBDA [Empresa Bahiana de Desenvolvimento
Agrícola S/A] que pertenceu ao Estado da Bahia. O que a Justiça do Trabalho tem
reafirmado é: demissões que vão prejudicar grande quantidade de trabalhadores
só podem acontecer se houver uma negociação prévia com o sindicato da
categoria. Antes disso, sem que haja uma negociação com o sindicato da
categoria, a Justiça do Trabalho vai dizer que essas demissões não são
possíveis e precisam ser invalidadas, elas são nulas.
BG – Há outros exemplos de demissões em massa,
além da EBDA, que a Justiça do Trabalho também não concordou?
Ilan Fonseca – Na Bahia, que eu me recorde,
foi apenas esse caso da EBDA. Em relação ao município de Ilhéus, considerando
que seus servidores são celetistas, essa mesma lógica se aplicaria. É possível
que haja o reajuste, a prestação de serviços à sociedade e a diminuição de
despesas em outras áreas. Os gestores sabem quais áreas são menos sensíveis a
esse enxugamento. Portanto, é uma questão sobre prioridades.
BG – Há distinções entre a estabilidade do
servidor estatutário e a do celetista. Quais são essas diferenças?
Ilan Fonseca – A estabilidade do servidor
estatutário é mais forte, ou seja, ele possui mecanismos que tornam sua
dispensa mais restrita. Ele só pode ser demitido mediante processo
administrativo disciplinar, sentença judicial para a adequação da Lei de
Responsabilidade Fiscal (desde que observada a dispensa prévia de parte dos
comissionados) e através de avaliação de desempenho.
O celetista possui uma garantia de emprego
mais frágil. Para sua dispensa, basta que se observem os requisitos da CLT
[Consolidação das Leis do Trabalho], não sendo necessário que ele seja submetido
a processo administrativo disciplinar, com contraditório e ampla defesa. Por
isso, no caso dos servidores celetistas, a estabilidade é reduzida.
BG – Mas ele tem estabilidade? Ele pode ser
demitido sem uma justificativa?
Ilan Fonseca – Empregadores que contratam
trabalhadores celetistas, sendo esses empregadores órgãos públicos, o
entendimento jurisprudencial é adotar o meio-termo entre a estabilidade do
estatutário e a do celetista que trabalha numa empresa privada. Portanto, o
empregado público celetista tem direito a algumas garantias, mas, sua situação
não é tão forte como a do estatutário nem tão fraca como a do celetista.
BG – Os servidores de Ilhéus têm um plano de
carreira sancionado pelo ex-prefeito João Lírio em 1992, que prevê uma série de
garantias e acréscimos salariais. O prefeito Jabes Ribeiro tentou transformar
os servidores em estatutários, mas, não houve elaboração de estatuto nem
aprovação da Câmara dos Vereadores. Os servidores ainda são regidos por esse
plano?
Ilan Fonseca – Sim. Nós tivemos a
oportunidade de apreciar esse plano há seis meses e verificamos que esse plano
de cargos e salários ainda é válido. Ele prevê ascensões verticais e
progressões horizontais na carreira. O plano é válido e vem sendo observado
pela Prefeitura de Ilhéus. No caso dessa conversão dos servidores de Ilhéus de
celetistas para estatutários, como ela ainda não foi regulamentada, a gente
ainda pode encarar os servidores de Ilhéus como celetistas.
BG – A prefeitura não concede esses benefícios
quando o servidor requisita. O que a Justiça do Trabalho tem entendido sobre
esse tipo de caso?
Ilan Fonseca – Pelo conhecimento que tenho,
tem acontecido algumas progressões e promoções dentro do plano de cargos e
salários. Se em alguns casos específicos isso não ocorre, compete ao
trabalhador formalizar uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho. O
conhecimento que tenho vai dizer que há uma comissão dentro da prefeitura
responsável por conceder ou não essas promoções.
Fonte:
Blog do Gusmão
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